terça-feira, 23 de novembro de 2010

Leo e Lena

-Nada do que eu fiz foi realmente notado -Não, você me emprestou o seu olhar pra eu perceber melhor o que me cercava -Mas nem assim você percebeu que eu te amava. Nem assim você percebeu que a minha mãe olhava feio pra você porque ela sabia que eu estava apaixonado, que eu tava nas tuas mãos. Se você quisesse, mas você não quis -Eu só me apaixonei pelos homens a quem eu podia magoar -Eu não me importava de ter sido magoado por você -Mas eu me importava, e ainda me importo.Você é o meu melhor amigo, meu irmão. Afeto assim é muito raro, é muito precioso pro sexo botar tudo a perder -Porque que o sexo botaria tudo a perder? -Porque o sexo subverte, tira a espontaniedade, cria espectativas, confere poder. Não gostaria de te odiar porque você não fez o gesto que eu esperava, nem disse aquilo que eu queria ouvir -Mas isso não ia acontecer nunca -Ia sim...ia sim. Nós somos humanos (...) -Você passaria a noite hoje comigo? Sem sexo. Só abraçado -Você quer me dizer finalmente o que está acontecendo? (...)-Eu não tenho tempo de vida -Não pode ser, você não pode estar tão doente assim

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Diário VII - Caio

"Odeio pessoa ignorantes. Me sinto mau por não conseguir gostar de todo mundo, mas é o que sinto. Os ignorantes, os vaidosos, os usuários, os pedantes. Detesto tudo que é afetado, detesto quem não se busca. Quem se acostuma a viver, da mesma maneira como se acostuma a dormir ou comer. Viver fica uma coisa automática, pouco importa se boa ou má, vazia ou não. Basta viver, como uma obrigação da qual não se pode fugir.
Por isso admiro os suicidas. São pessoas que conseguiram descobrir alguma coisa de si mesmas, apenas não tiveram coragem de enfrentar essa descoberta. E como se ela lhes desse vertigens, deixaram-se despencar no abismo. Mas não mais dignos do que esses que simplesmente se amoldam, sem exigências, sem perspectivas, mas também sem queixas. Lógico, se não pedem nada, queixas de quê? Roberto me deixou pensando que não é possível amar todas as pessoas, se pensarmos em cada uma delas como uma individualidade. Pode-se amar as massas, as grandes massas humanas sem feições, nem formas, nem cheiros - sem as palavras vazias de quem sequer tem a consciência de ser uma pessoa."

Diário IV - Caio

"Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para fora de mim, querendo atingir todo o mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressão torna a surgir a solidão. Todos os dias o ciclo de repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim."

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Diário III - Caio

"Eu gostaria de ir embora para um cidade qualquer, bem longe daqui, onde ninguém me conhecesse, onde não me tratassem com consideração apenas por eu ser "o filho de fulano" ou "o neto de beltrano". Onde eu pudesse experimentar por mim mesmo as minhas asas para descobrir, enfim, se elas são realmente fortes como imagino. E se não forem, mesmo que quebrassem ao primeiro vôo, mesmo que após um certo tempo eu voltasse derrotado, ferido, humilhado - mesmo assim restaria o consolo de ter descoberto que valho o que sou. É muito confortável bancar o infeliz e angustiado quando se vive num bom apartamento, quando se tem um copo de leito quente toda noite antes de dormir, uma mesada no fim do mês e uma mãe que basta estalar os dedos para dobrar-se a meus pés como uma escrava oriental. Ter demais é o meu mal. Se tivesse que batucar numa maquina de escrever todos os dias num escritório cheio de gente preocupada demais consigo mesma para dar atenção aos meus problemas, se tivesse que andar em ônibus superlotados, usar roupas velhas e sapatos furados, então poderia saber se existe ou não essa força que em vão tento encontrar em meu corpo."