sábado, 19 de setembro de 2009

Quando Nietzsche Chorou

"Sim, sei que o mundo não sorri ante dois homens e uma mulher vivendo castamente juntos. Mas somos idealistas livre-pensadores que rejeitamos restrições socialmente importas. Acreditamos na nossa capacidade de criar a nossa própria estrutura moral."

"Houve um tempo em nossas vidas em que estávamos tão próximos que nada parecia obstruir nossa amizade e fraternidade e apenas uma pequena ponte nos separava. Quando você ia subir na ponte, eu lhe perguntei: 'Você quer atravessar a ponte até mim?' Imediatamente, você deixou de querê-lo e, quando repeti a pergunta, você ficou silente. Desde então, montanhas, rios torrenciais e o que quer que separe e aliene interpuseram-se entre nós e, mesmo que quiséssemos nos reunir, não conseguiríamos. Agora, ao pensar no pontilhão, você perde as palavras e soluça e se maravilha"

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia , se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome"

(De uma carta de Hélio Pellegrino)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade, Hilda Hilst

Se for possível, manda-me dizer:

- É lua cheia. A casa está vazia -

Manda-me dizer, e o paraíso

Há de ficar mais perto, e mais recente

Me há de parecer teu rosto incerto.

Manda-me buscar se tens o dia

Tão longo como a noite. Se é verdade

Que sem mim só vês monotonia.

E se te lembras do brilho das marés

De alguns peixes rosados

Numas águas

E dos meus pés molhados, manda-me dizer:

- É lua nova -

E revestida de luz te volto a ver.

Alcoólicas, Hilda Hilst

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Caetano Veloso, Muito Romântico

Não tenho nada com isso
Nem vem falar
Eu não consigo entender
Sua lógica

Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que eu não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu, não deu
Acho que nada restou pra guardar ou lembrar
Do muito ou pouco que ouve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa, eu não douro a pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito e maior
Com todo o mundo podendo brilhar no cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico